- ATENÇÃO, os fatos descritos nesta série de artigos
seguem pesquisas apuradas na internet, tendo como base de dados reportagens da
época, investigações policiais e denúncias do Ministério Público, e podem
incomodar os leitores mais sensíveis –
- Ediwilson dos Santos -
O
início do século XX foi marcado por uma imigração sem precedentes no Brasil.
Com o fim do império, em 1889, o país começou a experimentar um ritmo de desenvolvimento
sem precedentes e 40 anos depois, já prosperava com a industrialização. A
economia brasileira pulsava com uma energia animadora, atraindo um tsunami de
investidores e mão de obra do estrangeiro.
Japoneses,
alemães e, principalmente, italianos, pisavam em terras brasileiras a todo
instante, trazidos em navios que cruzavam o Atlântico e o Pacífico em viagens que
duravam semanas. Lá, estranhos se conheciam, formavam parcerias comerciais e
até amorosas, que terminavam em casamentos após o desembarque no Brasil.
E dentre
esses imigrantes italianos estiveram Giuseppe Pistone e Maria Mercedes Fea. Ele
já um homem experiente, de 31 anos, alto, elegante, e ela uma moça sonhadora,
na avidez dos seus 20 anos, loira, pele alva, magra, estatura média e olhos
claros. Se conheceram no navio em 1925, em viagem da Itália para Argentina. Três
anos depois, já casados, decidiram se mudar para o Brasil, onde a prosperidade
seguia a passos mais largos.
Giuseppe
tinha um primo na capital paulista que prometera-lhe uma sociedade na sua
mercearia de secos e molhados. Mas faltava-lhe o principal: dinheiro. Ele
decidiu telegrafar para a mãe, na Itália, pedindo a sua parte da herança
deixada pelo pai, que falecera anos antes, mas dona Marcelina recusou-se a
atender o filho.
Não
desistindo do seu sonho, Giuseppe Pistone resolveu entrar na sociedade mesmo
sem dinheiro, sob a promessa de que pagaria o primo em breve, assim que
recebesse a sua herança. No entanto, para a esposa, Maria Fea, ele teria
confidenciado que tinha planos de não pagar a sociedade e de tomar a empresa
para sí, de alguma forma.
Apavorada
pelo plano do marido, Maria Fea escreveu uma carta para a sogra, relatando as
intenções do marido. Só que a correspondência jamais chegaria a Itália.
O CRIME
Na manhã do dia 4 de outubro de
1928, uma quinta-feira, Giuseppe Pistone descobriu a carta que a esposa havia
escrito e ficou transtornado de ódio pela indiscrição dela. No pequeno cômodo
de número 5, do prédio de apartamentos 34 da Rua da Conceição (hoje, avenida
Cásper Líbero), o casal de italianos teve uma discussão aos gritos que durou vários
minutos. Depois, os vizinhos ouviram apenas o silêncio, que durou o dia, a
noite e a madrugada.
Giuseppe Pistone assassinou Maria
Fea por sufocamento, usando um travesseiro. Sem saber o que fazer com o corpo, resolveu
despachá-lo dentro de uma mala para a França, com destinatário e endereço
imaginários. Comprou uma mala, tipo baú, em uma loja especializada na avenida
São João. Para não chamar atenção dos senhorios do prédio onde morava, o assassino
deu a desculpa de que teve uma briga com a esposa, que ela fora embora, e ele
também resolvera deixar o prédio por ter recebido a oferta de um novo emprego.
A mala chegou foi entregue ao
comprador no dia seguinte, sexta-feira. Nela, Giuseppe tentou colocar o corpo
de Maria Fea, mas não coube. Ele usou uma navalha para seccionar os joelhos da
vítima e quebrou-lhe a coluna cervical, acondicionando, assim, a mulher na
mala. No mesmo dia, vendeu os poucos móveis do cubículo, contratou dois
carregadores para levarem o baú até a Estação da Luz, onde seguiu de trem até o
porto de Santos.
UM CORPO NA MALA
O corpo
de Maria Fea foi descoberto por um acidente de trabalho. Enquanto os operários do
porto de Santos faziam o carregamento de bagagens para o navio, o baú com o
corpo acabou caindo e eles perceberam que de dentro exalava-se um odor fétido e
da rachadura provocada pela queda, escorria um líquido escuro.
As
autoridades policiais de Santos foram acionadas e deram ordens para abrirem o
baú. Uma multidão de curiosos acompanhou o terrível encontro do cadáver. E no
meio da multidão estava Giuseppe Pistone, que saiu de lá sem despertar a mínima
suspeita.
INVESTIGAÇÃO E
CONDENAÇÃO
Enquanto
os jornais de São Paulo e Rio de Janeiro faziam uma cobertura nunca antes vista
no Brasil, as polícias de Santos e da capital paulista corriam contra o tempo
para evitar que o autor do crime conseguisse escapar impune. Graças ao número
do despacho da bagagem no terminal de trens da Estação da Luz foi possível aos
investigadores descobrirem qual empresa fez o transporte da mala, o endereço de
onde o objeto saiu e, por fim, os nomes do assassino e da vítima.
Giuseppe
Pistone foi levado a júri popular em 15 de julho de 1931 e condenado a 30 anos
de prisão. Cinco anos depois, os advogados de defesa pediram um novo
julgamento, mas a sentença acabou aumentada em um ano. Devido a um decreto
presidencial da época, Pistone foi solto em 1948 e casou-se novamente, em
Taubaté, no ano seguinte. Morreu doente em 1956.
MILAGROSA
O corpo
de Maria Mercedes Fea foi enterrado em Santos cinco dias depois de ela ter sido
assassinada pelo marido. Desde então, seu túmulo vem sendo alvo de
peregrinações de pessoas que acreditam terem recebido milagres através de
orações dirigidas a ela.
Maria Fea, a vítima, e, abaixo, Giuseppe
Pistone, ao ser preso por policiais dias depois do assassinato
Local onde o casal morava e onde o crime foi cometido