Casal improvável: Lindomar Castilho e a bela Eliane de Grammont, em cena pouco rara de sorrisos durante a gravidez da cantora
- Ediwilson dos Santos -
Era
perto da meia-noite quando os frequentadores do bar Café Belle Époque, localizado
no bairro Bela Vista, de São Paulo, foram surpreendidos com a chegada do famoso
cantor de boleros Lindomar Castilho. O público assistia à apresentação da
cantora Eliane de Grammont e do violonista Carlos Randall, respectivamente, ex-mulher
e primo do artista famoso.
Mas algo estava errado naquela
repentina aparição de Lindomar. Nitidamente transtornado, as pessoas o viram
olhando fixo e se dirigindo para o palco, onde os artistas estavam de costas
para a porta por onde Lindomar havia entrado. Ao se aproximar, ele sacou um
revólver da cintura, o empunhou com as duas mãos e sem dizer uma palavra,
disparou cinco vezes.
O
pânico tomou conta dos frequentadores do bar. Correria geral. Parte dos homens
investiu contra Lindomar, impedindo-o de deixar a cena do crime. E ao verem a
bestialidade que ele havia cometido, passaram a espanca-lo sem piedade. O
linchamento só não foi concretizado porque algumas das testemunhas pediram pela
vida do cantor. E logo chegaram inúmeras viaturas da polícia e ambulâncias.
Eliane de Grammont foi atingida
por uma bala nas costas, que transfixou o tórax, e morreu a caminho do
hospital. Randal foi ferido com um tiro na barriga, mas sem gravidade. Lindomar
Castilho foi algemado, colocado numa viatura policial, levado para o
pronto-socorro, onde recebeu curativos para os ferimentos causados pelo
espancamento e, depois, apresentado ao plantão policial.
O crime
cometido naquele 30 de março de 1980 ganhou manchetes no país inteiro, na tevê,
no rádio, nas revistas e nos jornais. Afinal, tratava-se de um artista que
estava no auge da carreira, intérprete e autor de sucessos que vendiam milhões
de LP’s e cujas músicas são cantadas até hoje, 40 anos depois. Mas apesar da
tragédia, o assassinato de Eliane de Grammont ajudou a mudar a mentalidade dos
Tribunais de Júri ante o julgamento de crimes passionais.
LINDOMAR E ELIANE
Lindomar
Cabral (depois, Castilho, por sugestão do empresário) nasceu em um distrito da cidade
de Rio Verde, em Goiás, em 21 de janeiro de 1940. Seus pais eram músicos e
desfrutavam de certa fama e dinheiro. Tanto que aos 18 anos, ele passou na
Faculdade de Direito de Goiânia, para lá se mudando em 1958. Dois anos depois,
decidiu trancar a matrícula por ter sido aprovado em concurso público para a
Secretaria de Segurança Pública. Mas nunca abandonou as rodas de amigos da
faculdade.
E foi
graças a esse apego aos amigos da juventude que o seu talento vocal foi
descoberto. Durante uma serenata em 1961, o produtor musical Diogo Mulero, da
gravadora Copacabana, ouviu Lindomar cantar e o convidou a gravar um disco.
Começava alí a carreira do “Rei do Bolero”.
A
paulistana Eliane de Grammont nasceu em São Paulo no dia 10 de agosto de 1955.
Filha de compositora, foi a única dentre os irmãos a seguir a música como
carreira profissional. Os demais optaram pelo jornalismo, como foi o caso de
Helena de Grammont, da Rede Globo.
No
final da década de 70, Eliane fazia certo sucesso com a música “Coisas Bobas”, que
embalava as cenas do casal Tony e Mariucha, na novela O Profeta, da Rede Tupi (1977). E foi neste ano
que, nos corredores da gravadora RCA, Eliane e Lindomar acabaram se conhecendo
e iniciaram o romance que terminaria em tragédia quatro anos depois.
SINAIS DE ALERTA
Nos
anos 70, Lindomar era um dos cantores mais pedidos nos bailes e rádios
brasileiras. E àquela época, ele já bebia além da conta e não raramente, perdia
a cabeça ao ser contrariado. Apesar de presenciar e sentir na pele algumas
cenas que denunciavam o descontrole emocional do cantor, Eliane insistiu no
romance.
Com 15
anos a menos que Lindomar e considerada fisicamente uma beldade, Eliane de
Grammont parecia não combinar em nada com o Lindomar Castilho. Além da idade e
aspecto físico, havia ainda a educação e o controle emocional. O que nela sobrava,
nele faltava. Por isso, chegou a ser apontada de estar se aproveitando da fama
e do dinheiro do “Rei do Bolero”, acusação que ela tratou de derrubar
casando-se com Lindomar mediante um contrato pré-nupcial de separação de bens,
ocorrido em 1979.
Para
agradar o marido, Eliane abandonou a carreira de cantora, engravidou e virou
uma dona de casa clássica. Mas todas essas concessões não bastavam. E quase
todos os dias, aconteciam brigas na casa. As explosões de fúria de Lindomar
Castilho, ocorridas principalmente pelo ciúme doentio pela esposa, fez o
casamento durar apenas um ano, depois de diversas separações e reconciliações.
A MORTE ANUNCIADA
Lindomar
Castilho tinha um primo músico, bom violonista, chamado Carlos Roberto da
Silva, que ele trouxe para São Paulo para acompanha-lo em seus shows. Carlos
passou a usar Randall como sobrenome artístico. A parceria com Lindomar durou
até a separação do cantor com Eliane de Grammont. Decidida a retomar a carreira
de cantora, ela convidou Carlos Randall para dividir os palcos. E ele aceitou.
Investigações
posteriores ao crime afirmam que Randall e Eliane engataram um romance após a
separação dela. Enciumado e acreditando que os dois já mantinham um
relacionamento durante o tempo em que ele estava casado, Lindomar tomou a
decisão de “lavar a honra” com sangue. E não emitiu aviso.
Na
noite do dia 30 de março ele tomou vários copos de coragem durante a tarde e noite
e por volta da zero hora adentrou no bar Belle Époque, atirou nas costas da
ex-esposa e na barriga do seu primo. Duas outras balas foram retiradas das
paredes da boate. O quinto projétil nunca foi encontrado pela polícia.
JULGAMENTO
Os três
anos seguintes ao crime foram de debates na imprensa e nas ruas sobre o direito
implícito dos maridos matarem suas esposas e ex quando confirmadas suspeitas de
adultério. Até aquela época, infelizmente, o machismo era dominante e advogados
conseguiam safar seus clientes arguindo à infidelidade das vítimas.
Mas a
morte de Eliane de Grammont não seria mais uma estatística. O clamor popular e o
trabalho da imprensa fizeram a retórica machista cair por terra com frases como
“Mulher não é propriedade” e “Assassinato é assassinato”. Dalí em diante,
advogados passaram a repensar suas estratégias de defesa e tiveram que
abandonar os convencionados “agiu em defesa da honra”, “ela não cumpria suas
obrigações matrimoniais”, “(o homicida) estava sob forte emoção”.
No dia
23 de agosto de 1984, Lindomar Castilho foi condenado a 12 anos de prisão, seis
deles cumpridos dentro das grades e a outra metade em regime semiaberto.
Encerrada a sua pena, ele saiu da cadeia em 1996 e retornou para Goiás, onde
vive até hoje, com 83 anos de idade. Durante o cárcere, Lindomar até gravou um
disco, com o sugestivo título “Muralhas da Solidão”.